Mundo sem lixo: a mão de obra para dar destino correto aos resíduos sólidos

O potencial econômico da reciclagem é significativo e o catador é parte indispensável para o funcionamento desse segmento. Agora, aliam-se a esses trabalhadores que fazem coleta de resíduos outros profissionais que agregam com técnicas e conhecimentos que dão conta de fechar o ciclo de reaproveitamento de materiais.

Os catadores de resíduos sólidos são um dos principais símbolos da reciclagem. Dados do Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis indicam que há no Brasil entre 800 mil e um milhão de trabalhadores que exercem essa atividade. Os números sugerem a dimensão desse elo fundamental da economia circular: a cadeia da reciclagem. E o segmento tem se desenvolvido de tal forma que agora a demanda por profissionais também vive seu momento de transformação. Tratam-se de profissões que antes costumavam ser símbolo de outras áreas e agora figuram em trabalhos conjuntos com cooperativas e indústria. 

É o caso dos designers de produtos. Esses profissionais, que já são tradicionais nos segmentos de criação, comunicação e na indústria de bens duráveis, agora ganham nova nomenclatura em uma lógica de economia sustentável: design circular. O conceito de design circular (D4R – Design for Recycling) define o profissional que desenha produtos e embalagens que serão facilmente recicláveis. 

“Pensando especificamente na reciclagem, os designers de produtos também são parte essencial dessa cadeia, uma vez que criar produtos que possuam partes que podem ser facilmente separadas para a reciclagem colaboraria muito com o engajamento no processo”, afirma o professor Edson Grandisoli, pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente da USP e coordenador pedagógico do Movimento Circular, plataforma voltada para educação sobre economia circular. 

Há, no entanto, espaço para o mercado de trabalho da reciclagem se consolidar no Brasil. E um passo importante, senão principal, rumo a essa solidificação das profissões é o reconhecimento da importância dos catadores e a formalização de sua atuação na economia circular. 

“Os profissionais que atuam em cooperativas e os catadores, que são peças-chave nesse processo, precisam e merecem reconhecimento e formalização de suas atividades”, complementa Grandisoli. 

Mão de obra qualificada, e formalizada  

A demanda para o segmento de reciclagem é crescente. A Abrelpe estima que o Brasil, quarto maior produtor de lixo do mundo, gera 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano, dos quais 40% têm destinação imprópria. Essa é uma porcentagem que poderia ser drasticamente reduzida com a formalização dos catadores e abertura de novos postos de trabalho para profissionais especializados em áreas como engenharia ambiental, biologia, oceanografia.  

Grandisoli é enfático ao defender o quanto as profissões técnicas de diferentes segmentos “colaboram diretamente na busca por soluções mais eficientes no que diz respeito aos resíduos”. 

Além da urgência por parte ambiental, há ainda motivação financeira para incorporar outras profissões à reciclagem. Dados publicados no relatório The New Plastics Economy, uma iniciativa organizada pela Fundação Ellen MacArthur, Fórum Econômico Mundial e a consultoria McKinsey & Company, apontam que, sem inovar o design das embalagens plásticas, cerca de 30% de materiais jamais será reutilizado ou reciclado. O documento sugere que inovar nas embalagens de produtos de limpeza e cosméticos, por exemplo, pode gerar uma economia de 80% a 90% de material plástico. 

“Pensando na corresponsabilidade como um dos preceitos centrais da economia circular, a colaboração entre diferentes atores e profissões é fundamental. Dessa forma, todas as especialidades e modos de atuação são importantes e se complementam, e todos podem buscar caminhos para diminuir o desperdício e a geração de resíduos”, ressalta Grandisoli. 

Caminho pela frente 

O trabalho de reciclagem no Brasil está iniciado, mas o caminho que se tem pela frente ainda é longo, porém produtivo, avalia o professor Grandisoli. Os desafios, segundo ele, são diversificados, de ordem técnica, tecnológica, estrutural, profissional, além de questões relacionadas a políticas públicas para o desenvolvimento do setor. 

“Difícil falar em um [desafio] principal, uma vez que todos os setores e atores possuem responsabilidades em uma economia circular. Acredito que um desafio importante é o reduzido diálogo intersetorial. Ou seja, somente por meio de colaboração, parcerias e acordos nos quais as partes reconheçam suas responsabilidades na cadeia é que poderemos realmente caminhar para o desenvolvimento de práticas mais circulares”, explica. 

O pesquisador relembra que menos de 3% dos resíduos que podem ser reciclados são efetivamente destinados a esse processo. Outro passo importante nessa caminhada é ampliar o acesso da população à coleta seletiva. “Governos, empresas, OSCIPs e população devem trabalhar juntos para melhorar esses números. A responsabilidade não está somente na mão dos consumidores, uma vez que cerca de 40% da população possui acesso à coleta seletiva, só para citar um dos gargalos”. 

O potencial econômico da reciclagem é significativo e o catador é parte indispensável para o funcionamento desse segmento. Agora, aliam-se a esses trabalhadores que fazem coleta de resíduos outros profissionais que agregam com técnicas e conhecimentos que dão conta de fechar o ciclo de reaproveitamento de materiais. A reciclagem tem tudo para se tornar um segmento eficiente, rentável e transformador da economia no geral. A jornada rumo a esse patamar é longa, mas já foi iniciada e nela precisam convergir profissionais com diferentes expertises, as empresas, as políticas e os consumidores, que são o começo e o fim de toda essa atividade econômica que passa por profundas e permanentes mudanças.