O convertedor e a transformação da indústria do plástico rumo à Economia Circular
O convertedor da indústria do plástico está no centro da transformação promovida pela Economia Circular, mas muitos ainda têm dúvida de como exercer esse protagonismo e tirar proveito dele. Esse conteúdo fornece os insumos básicos para quem precisa saber mais sobre como migrar de um modelo linear para a circularidade, trazendo observações de mercado de uma das principais empresas do setor, a Valgroup, que na voz de seu diretor de marketing estratégico e sustentabilidade, Cesar Sanches, mostra nessa entrevista os pontos vitais para empresas atentas às mudanças do setor.
A indústria do plástico está em transformação, quais são os sinais de que isso está acontecendo?
Há algum tempo, a indústria já vem buscando uma forma mais eficiente de produzir com menos emissões, produtos mais leves, flexíveis e etc.
Os plásticos têm sim uma série de benefícios, pois são materiais que, ao longo da história, diminuíram as emissões na cadeia, reduziram o consumo de energia, aumentaram segurança e flexibilidade e diminuíram os custos da cadeia. Na medicina, por exemplo, têm um papel fundamental. No entanto, isso não quer dizer que a gente possa continuar com o modelo linear que começou lá na revolução industrial.
Agora, chegamos em um momento interessante, não é só produzir, produzir, produzir. O mercado começa a perceber que o que ele está fazendo tem que ser sustentável também, sob o ponto de vista econômico, social e dos recursos naturais. Então, a gente começa a andar nessa direção, olhar como a gente consegue reduzir nossas emissões, por exemplo.
Você teria um exemplo de como essa transformação está ligada aos negócios?
Tem uma história bem legal que é da British Sugar, empresa britânica de fabricação de açúcar. Em seu processo de fabricação, eles emitem CO2, sempre cumprindo os limites da legislação local. No entanto, não estavam satisfeitos com a situação.
Diante disso, encontraram uma empresa que fabricava refrigeração industrial e que precisava de CO2 no seu processo. Surgiu então a oportunidade para a British Sugar vender a sua emissão de CO2 da fabricação do açúcar para a empresa de refrigeração industrial. Com isso, zeraram suas emissões e ainda criaram uma fonte adicional de renda. Apesar de não ser um exemplo específico do plástico, pois estamos falando do CO2, é um exemplo de possibilidade da economia circular que tem um conceito muito mais amplo.
A ideia é como a gente circula esses materiais de forma eficiente, economicamente viável, como geramos emprego e isso dá muito certo. Não sou só eu quem está falando. Um exemplo desse movimento é o Financial Times. O jornal iniciou recentemente uma seção Moral Money, coordenada pela Gillian Tett e que trata de temas relacionados à sustentabilidade. No início, havia dúvida se vingaria, mas a receptividade foi muito grande. Moral Money é exatamente sobre como podemos investir de uma forma que seja sustentável. A seção estava dando certo, mas aí veio a pandemia, colocando novamente uma dúvida sobre a perspectiva do projeto. Sabe o que aconteceu? As pessoas ficaram mais interessadas ainda.
A Gillian Tett fala algo interessante, pois destaca que as grandes transformações não acontecem por ativismo. O ativismo é importante, como um primeiro momento, quando se levantam as questões, mas existe um momento nas transformações, em que as pessoas em geral, aquelas que não estavam tão atentas àquela questão, passam a se interessar. Essa massa crítica começa a se formar. Eu concordo com ela, acho que estamos em um momento de formação de massa crítica, onde o pessoal que não é ativista, incluindo CEOs de empresas, passam a ver que as coisas estão mudando e que eles precisam se movimentar. Eu acho que a gente está nesse processo.
Mas onde está o convertedor nesse processo de transformação?
O convertedor, de uma forma geral, está numa posição muito interessante, ele está entre o fabricante de resina, cliente final (brand owner) e os consumidores que são realmente os end-users (usuários finais) de tudo que a gente faz.
Nós convertedores temos um papel muito importante para cumprir que é fechar a cadeia. Somos nós que conversamos com os fornecedores de resina, nós conversamos com quem faz a coleta, empresas que fazem a separação. O convertedor tem toda a condição de decidir usar a usina reciclada para gerar um novo produto. Então o convertedor tem esse papel de integrar os diferentes elementos da cadeia. Eu acho que para o convertedor a palavra é integração. Integrar os diferentes elementos da cadeia de forma que consigamos desenvolver embalagens mais sustentáveis, produtos mais sustentáveis.
Na Valgroup, nós temos um empenho para ter todos os elementos da cadeia dentro de casa, indo da conversão à reciclagem, incluindo o desenvolvimento de embalagem, desenvolvimento de tecnologias de reciclagem mecânica, reciclagem química. Trabalhamos com nanotecnologia, pensamos em embalagens com estruturas diferentes e em como reciclar essas embalagens.
Qual a importância de ter essa visão completa para a performance dos negócios?
Esse é o meu diferencial competitivo. Dentro do meu setor, somos um dos maiores do mundo, mas não sou o maior. Tenho competidores maiores do que eu.
É sustentabilidade porque protegemos o meio ambiente, com efeito muito positivo nos negócios.
Meu objetivo é eliminar esses materiais do meio ambiente, trazendo-os de volta, criando novos produtos com esses materiais. Isso me dá uma vantagem competitiva enorme, porque atendo o que os meus clientes querem. O meu papel na empresa é entender os meus clientes. Eles precisam de soluções para os próximos 5, 10 e 20 anos. A partir disso, desenvolver ações para os meus clientes. Claro que eles querem o que os consumidores querem, que são produtos mais sustentáveis. Nós, consumidores, a gente tem uma força, sim. Ao optar por um produto sustentável, você impacta a cadeia inteira. Você quando prefere uma garrafa de conteúdo reciclado, você vai dar trabalho para mim. Porque eu tenho que ir atrás do material para fazer o conteúdo reciclado pra você. Então esse tipo de atuação me dá uma vantagem competitiva grande, impactando bem positivamente os negócios.
Observando a demanda crescente dos clientes por uma consultoria, você diria que você vende hoje mais produto ou serviço?
A gente ainda continua muito produto, mas temos um laboratório, chamado Load Test Center, aqui em Lorena, para fazermos a análise, por exemplo, de pallets. Temos uma série de equipamentos para revermos as configurações do plástico para economizar embalagem e aumentar a segurança. Isso é um serviço.
Além disso, tem um equipamento que eu coloco na planta de um cliente e ele mede o consumo de plástico direto nessa planta. Se o consumo for maior ou menor, ele manda a informação remota para o escritório e o cliente acompanha à distância o consumo de plástico em sua planta.
Presto muitos serviços que são gratuitos, consultorias mais técnicas, que abordam processos químicos e até modelos de negócios. Mas, de uma forma geral, nosso negócio ainda é muito produto.
Hoje, as iniciativas para o desenvolvimento de soluções sustentáveis partem de quem? Do cliente brand owner ou do convertedor?
Tem um pouco dos dois. Vale destacar que são poucas as empresas que se movimentam rapidamente. Você vai ver isso nos líderes, os first movers (primeiros que se movimentam). Geralmente, empresas internacionais que têm alguma estrutura de sustentabilidade. Depois, vêm as outras empresas. As que serão os seguidores.
Nós, no Valgroup, somos first mover. Oferecemos as soluções muito antes do meu cliente me pedir. O meu banco de dados é grande. Para isso, já há alguns anos, viajamos o mundo. Já passamos na Coreia do Sul, Europa Continental, Reino Unido, fizemos várias incursões nos Estados Unidos, sempre procurando soluções. Quando meus clientes chegaram para mim, eu já tinha uma série de soluções prontas. No entanto, são os nossos clientes que, no final, dão a direção.
Sempre que eu vou aos clientes falo isso: estou aqui para oferecer opções. Reciclagem mecânica, química, nanopartícula, novos designs, tenho mais de 20 projetos de sustentabilidade andando ao mesmo tempo. Cada cliente tem a sua meta, um diz “eu quero aumentar o meu conteúdo reciclado” ou “quero ter embalagem ready to recycle” (prontas para reciclar, em tradução livre). Eu sempre digo: veja suas metas e eu vou te ajudar com as suas metas. No fim, são os clientes que direcionam os desenvolvimentos. Mas isso não é estanque, é algo dinâmico. Tanto da parte deles, quanto da minha parte. Eu não fico parado, esperando-os me dizerem o que eles querem. Muito comum, mesmo em empresas maiores, eu ajudar a desenvolver a estratégia de sustentabilidade, pelo fato de conhecer as tecnologias.
Para as empresas que ainda não estão convencidas da mudança em curso na indústria do plástico, o que você destacaria?
Gostaria que as pessoas avaliassem que esse é o caminho correto e seguissem por esse caminho, mas também existe aquele elemento de sobrevivência. Nem todas as empresas são como a Valgroup que tem um portfólio diversificado.
É importante dizer que, até hoje, entendia-se que o governo deveria dar as regras para que os empreendedores jogassem com elas. Seguindo a ideia do Milton Friedman, delineando que o governo dá as regras e eu vou maximizar o retorno para o meu acionista. Eu tenho a obrigação de fazer isso. Em empresas de capital aberto, você tem obrigação fiduciária de fazer isso. Se você não tiver incentivo para fazer isso, você está descumprindo com a sua obrigação.
Em outras palavras, vou fazer produtos com produto reciclado, isso vai ficar mais caro para a empresa; posso fazer? Não pode. Porque você tem uma obrigação fiduciária de maximizar o valor do seu acionista. Mas se você tem uma política pública, ou seja, se você tem uma exigência para ter x% de conteúdo reciclado, aí sim, você gerente ou diretor tem como justificar, para o seu acionista, a utilização de mais conteúdo reciclado, porque se não usar, você vai receber uma multa e vai ficar mais caro, ou seja, vai dar problema no seu resultado no final do ano.
Em políticas públicas tem vários modelos para aumentar a circularidade, mas se você falasse, você tem uma chance, eu usaria, como política pública, conteúdo reciclado mínimo.
O incentivo econômico, quer queira quer não, ele tem um impacto muito grande na mudança de comportamento e na adoção de novas estratégias. Mas porque outros convertedores não tomam a iniciativa da circularidade, talvez eles até queiram, mas talvez não exista um incentivo econômico necessário pra sobrevivência ou pra tomada de decisão final.
Não é um elemento só, apesar de procurarmos respostas simples, elas não existem; nós somos complexos. Mas se você tiver as políticas públicas, as tecnologias e a cultura, as coisas vão acontecendo.
Você teria alguns números que mostrem como está o Brasil nesse movimento?
O mercado de conversão é extremamente fragmentado no mundo inteiro. Não temos dados específicos, mas vou te dar alguns números. Hoje, o Brasil recicla 55% do PET com a utilização de catadores. Nos EUA, a reciclagem de PET é 30%, majoritariamente usando centrais mecanizadas (material recovery facility), não existe catador. Nas costas do país chega a 60% e, em estados do centro, você tem o Texas a 18% e em alguns estados é 0, eles aterram tudo.
Na Europa, a taxa de reciclagem é 50 a 60%. Porém, com algumas exceções. No Reino Unido, são fabricadas 3 milhões de toneladas de PET, a capacidade instalada para reciclagem no Reino Unido é 0.3%. 90% do material dado como reciclado por lá é dado a um reciclador em algum lugar no mundo, como China por exemplo.
Quando fui ao Reino Unido, em abril de 2019, apresentando a empresa, expliquei que eu reciclava PET. Aí eles falaram: você sabia que no Reino Unido o custo do fardo de PET usada está quase 0?
O Brasil tem uma situação complicada. Educação é o nosso maior problema. Ao falar de economia circular, você vai ver que as pessoas entendem muito pouco. Mas não estamos tão longe assim. Todo lugar tem o seu problema. Não existe lugar perfeito.
Nos últimos 20 anos, o que a gente evoluiu é absurdo. O celular deu uma grande possiblidade de acessar informação. Pode ser que isso facilite a nossa transição também.
Como você avalia as políticas públicas do Brasil nesse sentido?
A Política Nacional de Resíduos Sólidos não é uma política ruim. Tem descrita a obrigação dos convertedores, dos nossos clientes, os Brand Owners, tem as obrigações das municipalidades, está tudo lá. Mas, hoje, quem é realmente inspecionado, são só os nossos clientes. Nem os convertedores são inspecionados ainda e nem as municipalidades. De todos os municípios hoje, 22% têm coleta seletiva. O resto não tem, mas também não tem cobrança.
Se você fosse dar uma dica de primeiro passo para uma empresa que está interessada em embarcar nessa transição, qual seria?
O primeiro passo é estudar, conectar-se com organizações líderes. Aqui no Brasil tem a Rede de Cooperação para o Plástico, junto com a Abiplast.
Para um CEO que queira ter esse primeiro contato, buscar orientações independentes, ONGs e outras organizações que sejam idôneas para começar a entender quais são os guias globais e qual é o framework que nós estamos usando.
Depois, fazer uma análise interna. Você precisa entender o contexto, dar dois passos para trás e ver onde está nesse contexto. Vai depender da empresa, dos recursos ela tem, qual o capital que disponível e quais são as oportunidades de negócio. Mas eu começaria estudando.
Conheça algumas iniciativas em outras indústrias:
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British Sugar
Principal produtor de açúcar para os mercados de alimentos e bebidas britânico e irlandês, processando cerca de oito milhões de toneladas de beterraba sacarina e produzindo até 1,4 milhão de toneladas de açúcar por ano.